quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Era uma vez


Contar história não é perder tempo, contar história é aproximar os laços afetivos.
Carne de Língua
Há muito, muito tempo, existiu um rei que se apaixonou perdidamente por uma rainha. Depois do casamento, ela foi morar no castelo do rei, mas, assim que pisou lá, misteriosamente ficou doente. Ninguém sabia por que a rainha havia adoecido; o fato, porém, é que ela definhava a cada dia.
O dono da coroa, que era muito rico e poderoso, mandou chamar os melhores médicos do mundo. Eles a examinaram, mas não descobriram a causa da doença. O rei, então, mandou chamar os curandeiros mais famosos do mundo. Fizeram preces, prepararam poções e magias. Também não adiantou nada. A rainha emagrecia diariamente – dali a pouco desapareceria por completo.
O rei, que amava sua esposa tão intensamente, decidiu:
- Eu mesmo vou procurar a cura para a doença da minha rainha.
E lá foi ele procurar a cura para a sua rainha. Andou por cidades e campos. Num desses campos, avistou uma cabana. Ao chegar perto, aproximou o rosto da janela e viu, lá dentro, um casal de camponeses. O camponês mexia os lábios e, na frente dele, a camponesa, gordinha e rosadinha, não parava de gargalhar. Os olhos daquela mulher transbordavam felicidade. 
O rei começou a pensar:
- O que será que faz essa mulher ser tão feliz assim?
Com essa pergunta na cabeça, ele respirou fundo e bateu à porta da cabana.
- Majestade! O que o nosso rei deseja? – perguntou o súdito, um pouco assustado com a presença real à sua frente.
- Quero saber, camponês, o que você faz para sua mulher ser tão feliz e saudável? A minha mulher está morrendo no castelo, toda tristonha.
- Muito simples, Majestade: alimento a minha mulher todos os dias com carne de língua.
O visitante pensou que tivesse ouvido errado: carne de língua! O morador da cabana repetiu:
- Alimento minha esposa diariamente com carne de língua.
A situação era de vida ou morte. O rei, mesmo achando aquilo meio estranho, agradeceu ao homem do campo e foi correndo de volta para o castelo. Chegando lá, mandou chamar imediatamente à sua presença o cozinheiro real:
- Cozinheiro, prepare já um imenso sopão com carne de língua de tudo o que éanimal vivente na Terra.
- O quê?! Como assim, Vossa Majestade? – estranhou o chefe da cozinha real, com um ponto de interrogação no rosto.
- Você ouviu direito! Carne de língua de todos os animais do reino! Corra, porque a rainha não pode mais esperar.
O cozinheiro foi chamar os caçadores do reino. Passadas algumas horas, ele tinha à sua frente línguas de cachorro, gato, rato, jacaré, elefante, tigre, girafa, lagartixa, tartaruga, vaca, ovelha, zebra, hipopótamo, sapo, coelho…
No meio da noite, a nova sopa já estava pronta no caldeirão. O próprio rei foi alimentar a rainha com carne de língua. Entrou no quarto e ficou espantado com a aparência dela. Sentou-se ao lado, pegou uma colher do sopão e a aproximou da boca de sua amada esposa. Com muito esforço, ela engoliu algumas colheradas daquela comida exótica.
O rei esperou, esperou e esperou, mas a rainha não melhorava – muito pelo contrário, parecia que a morte a levaria a qualquer momento. Cansado de esperar, ele se desesperou. Se não fizesse algo, sua mulher iria embora para sempre.
-Soldado! Soldado! – gritou.
Um homem enorme, com armadura e espada, entrou no quarto.
- Escute bem, soldado. A rainha tem que ser transferida imediatamente para a casa de um camponês. Lá você encontrará uma mulher gordinha e rosadinha; quero que a traga até aqui.
Então explicou ao soldado onde ficava a casa desse homem do campo. Essa era a última chance, ele imaginava, de a mulher sobreviver. Mas talvez o rei não tivesse entendido direito o que o camponês lhe dissera.
- Corre, corre, soldado! A vida da rainha depende disso!
O soldado pegou a rainha no colo e com a ajuda de outros homens saiu em disparada até a casa no campo. A troca foi feita e, assim que a camponesa entrou no castelo, adoeceu misteriosamente. Depois de três semanas, aquela mulher, que era gordinha e rosadinha, estava magra e triste. O rei, então, decidiu ver como estava a sua esposa.
Chegando na cabana, pôs o rosto na janela e… Não podia ser! A rainha estava gordinha, rosada e gargalhava como nunca se vira antes. À sua frente, o camponês não parava de mexer os lábios. O rei bateu à porta:
- Novamente por aqui, Majestade! O que deseja?
- Camponês, o que está acontecendo!? A sua esposa está morrendo no meu castelo e a minha está toda feliz e saudável aqui na nossa frente.
- Me diga, Majestade: o que fez?
- Fiz exatamente o que você mandou. Dei carne de língua de cachorro, gato, sapo, coelho, girafa… para a minha rainha e para sua esposa também. Mas, caro súdito, nada adiantou.
- Vossa Majestade não compreendeu o que eu disse – riu-se o homem do campo. – Eu alimentei a rainha e a minha esposa com carne de língua: as histórias contadas pela minha língua.
Sua Majestade meditou um pouco sobre aquelas palavras. Lembrou-se também dos lábios daquele homem se mexendo. Parecia que agora havia entendido. Chamou sua esposa de volta e mandou a camponesa de volta para sua casa. Assim que a rainha entrou no castelo, o rei prometeu que lhe daria todas as noites, antes de dormir, carne de língua.
A partir daquele dia, contam os quenianos, o rei contava uma história diferente todas as noites. Esse povo africano nos revelou que nunca mais a rainha ficou doente. Ensinaram-nos um segredo: As histórias fazem muito bem para as mulheres, homens, crianças, jovens, velhos – e até mesmo para os reis. 
Conto Africano retirado do livro As Narrativas Preferidas De Um Contador De Histórias, de Ilan Brenman

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